O ódio de classe e a reação conservadora das novas e velhas elites



O cotidiano vem mostrando que nenhuma forma de poder se esgota nas suas esferas governamentais e a luta política, por sua vez, se estabelece para além dos períodos eleitoreiros. Enganam-se quem acredita que os domínios do poder político  se encerram na burocracia e nos órgãos estatais, pelo contrário, nesses espaços temos apenas projeções que são lançadas a partir das instituições e dos aparelhos ideológicos que nos cercam. E o golpismo político que estamos vivenciando é uma das provas disso.

As críticas e o denuncismo que estão sendo colocadas contra os governos populares que se estabeleceram nos países da América Latina, sobretudo no Brasil, não se efetivam à luz da realidade concreta. Todos os discursos colocados contra as políticas afirmativas, sociais, inclusivas e distributivas são reações conservadoras que se oxigenam muito mais pelos processos históricos e sociais  que constituíram os padrões culturais hegemônicos da população, do que pela vida real.

O ódio de classe que estamos vivenciando é exemplo disso. Os estratos sociais que tradicionalmente usufruem dos prestígios e das riquezas da sociedade, ainda que mantido seus status, não conseguem conceber a inclusão e a mobilidade social de outros setores. Não aceitam que as classes populares acessem os mesmos serviços ou consumam os mesmos bens que a outrora eram exclusivamente seus. As reações a essas mudanças são violentas, sobretudo simbolicamente.

Esse estranhamento é justificado pelos valores culturais que, embora existentes, não são socialmente expressos. Há um conservadorismo tácito. Esse reside nos olhares, nas reprovações morais e nas relações privadas dentro das "salas de jantar" das tradicionais e médias famílias brasileiras. E a medida em que esses valores são colocados em xeque e enfrentados, a reação conservadora ganha força, descortinando as raízes dos processos históricos e sociais que alicerçam a sociedade.

Em meio ao atual cenário e as tentativas de desestabilização dos governos de esquerda a partir de imposição de golpes e judicialização/criminalização da política (e da esquerda) é preciso considerar que os países latinos ainda convivem com várias chagas herdadas de um passado não tão distantes. A maioria desses países viveram fases de exploração colonial, efetivação de um capitalismo tardio e por vias prussianas de desenvolvimento à luz de valores imperialistas. Esses fatos influenciaram junto a outros fatores de ordem cultural, a construção de um tecido social conservador, sexista, patriarcal e racista. 

Diante disso, incluir a população negra nas universidades, desafiar os obstáculos e enfrentar os grilhões postos para as mulheres visando a sua eterna submissão ao julgo masculino, criar políticas de assistenciais e aumentar o poder de compra das classes sociais mais pobres são alguns exemplos que, ao serem efetivados pelos governos populares desencadeou a reação conservadora e instituiu o ódio de classe que vivenciamos nos últimos meses.

O problema não é na forma e na condução do governo ou da gestão do Estado. A crise é axiomática, produzida pela dialética. O Estado ainda é o mesmo, seus vícios ainda persistem, mas a luta de classes vem se acentuando trazendo riscos eminentes para os governos progressistas e populares.

Para acentuar esses embates, temos uma crise econômica do Capital que nesse ambiente de hostilidade, se tornou objeto político e contextualiza a ascensão de pautas atrasadas e desconectadas com o interesse da classe trabalhadora. Ao invés de vivenciarmos um momento propositivo para apresentação de novas alternativas à política econômica, visto que o atual sistema está mostrando sinais evidentes de falência, o que se percebe é uma reafirmação de visões conservadoras e anacrônicas ao nosso tempo.

Nesse contexto, enfrentar os desafios postos e desestruturar a moral burguesa instituída é o centro desse debate. A luta de classe está presente nos mais diversos espaços, do parlamento à mesa de bar. Precisamos ganhar uma das mais árduas batalhas, pois é o desenvolvimento das forças produtivas e a continuidade das mudanças que estão em jogo. E para isso, entender a luta política na sua real complexidade, fazer a reflexão e o entendimento da vida concreta e estabelecer bem os conceitos e as práticas revolucionárias de nosso tempo, são exercícios essenciais para acumularmos forças, ganharmos aliados e enfrentar com coragem, as reações conservadoras que estão travando o desenvolvimento e a soberania do povo.

Por Wallace Melo - Secretário de Comunicação Social do Sinpro - Pernambuco e Secretário de Jovens Trabalhadores da CTB/Pernambuco.