Por Wallace Melo Barbosa
Quem imaginaria que a fotografia do jornalista Vladimir Herzog morto iria se transformar em um dos símbolos mais marcantes dos anos de chumbo (1964/1985). Com certeza, a imprensa ditatorial não esperava que a explicação oficialmente construída acerca da morte do então chefe de redação da TV Cultura de São Paulo, não iria convencer a população e a tese de que Vlado teria cometido um suicídio somente reforçaria a opinião de que estávamos vivendo em um país em que as liberdades e os direitos civis eram tolhidos e o governo tirava a vida de qualquer um que se colocasse à frente dos interesses imperialistas que alicerçavam a ditadura civil militar.
Vladimir Herzog não se suicidou. Foi assassinado pelos militares. Morreu em virtude dos maus tratos, das lesões e das sessões de tortura que sofreu quando foi preso nas dependências do II Exército (DOI CODI), após se apresentar aos militares, na manhã do dia 25 de outubro de 1975.
Entretanto, somente em 2014 que a tese do suicídio foi refutada oficialmente, em virtude dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Somente no ano passado que o Atestado de Óbito do jornalista foi corretamente corrigido, sendo retirado do documento, o suicídio enquanto causa da morte e atribuído ao Estado brasileiro o assassinato do jornalista. De acordo com o laudo pericial indireto construído pelos peritos da Comissão, Herzog “foi inicialmente estrangulado, provavelmente com a cinta citada pelo perito criminal e, em ato contínuo, foi montado um sistema de forca uma das extremidades foi fixada a grade metálica de proteção da janela e, a outra, envolvida ao redor do pescoço de Vladimir Herzog, por meio de uma laçada móvel. Após, o corpo foi colocado em suspensão incompleta de forma a simular um enforcamento".
O assassinato de Vlado causou uma grande reação por parte de vários setores da população, naquele momento ficou nítido para muitos que as mortes e o desaparecimento de lideranças políticas, estudantes, trabalhadores, camponeses etc. estavam correlacionados diretamente aos excessos cometidos pela ditadura militar. Regime político que se fortaleceu no país, a partir do silêncio, do sangue, do suor e das lágrimas dos brasileiros que viveram nesse nebuloso período da história.
Vlado Herzog nasceu na Iugoslávia em 1937 e junto com sua família, mudou-se para o Brasil, a fim de fugir das perseguições que sofriam por serem judeus, ainda no contexto da Segunda Guerra Mundial. Posteriormente se naturalizou brasileiro, formou-se em Filosofia pela USP e trabalhou para o jornal Estado de São Paulo, BBC e TV Cultura.
Herzog tornou-se um símbolo importante para o país. E foi em sua homenagem que o dia 25 de outubro (data em que o jornalista foi assassinado) passou a ser considerado como o “Dia da Democracia” no Brasil.
Para nós, lembrar e refletir sobre essa data significa muito mais do que relembrar ou condenar os excessos cometidos pela ditadura. O sentido desse dia se estabelece a partir da necessidade que temos em reafirmar a defesa da democracia e da soberania nacional. Considerações essas que ganham um significado ainda maior para nossa contemporaneidade, haja vista o atual contexto político turbulento e a emergência de uma onda conservadora e fascista no país, que defendem a privatização das riquezas nacionais, a dependência e o retorno da ditadura. Tomemos cuidado, pois a serpente já furou a casca.