Da Revolução à Constituinte de 1946
A importância de Prestes na vida política do Brasil na primeira metade do século XX é incontestável. Não era a toa que sua alcunha era a de cavaleiro da esperança. Em seu livro, o escritor Paulo Cavalcanti narrou as seguintes palavras sobre a Coluna e o movimento dos tenentes:
[…] Mesmo sem compreender perfeitamente o que se passava, minhas simpatias se voltavam para os “tenentes”, que apareciam aos meus olhos como defensores de uma nova ordem social. E uma nova ordem social representava nada mais, nada menos, do que mais comida, mais jantar, promoção do meu pai na Recebedoria, lança-perfume Vlã listrada de cores no Carnaval, a satisfação de comer um abacate inteirinho, não pela metade, como era o hábito lá em casa, roupa nova nas festas de fim de ano, mais “peido-de-velhas” e “busca-pé no São João e São Pedro e brinquedos comprados em loja […] (CAVALCANTI, p.43, 1978).
Na década de 1930, Prestes já era membro da Internacional Comunista e do PCB. Em 1934 retorna, clandestinamente, de Moscou para o Brasil. Nessa época, estava casado com a alemã, Olga Benário. O momento era delicado, a conjuntura nacional era marcada pelo governo constitucional de Vargas e no âmbito internacional, a Europa tornara-se cenário para emergência das ideias fascistas. No país, o integralismo, liderado por Plínio Salgado, era o movimento porta-voz dessas ideias.
No ano de 1935 Prestes se tornou o presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora (ANL), “uma ampla frente única, que se propunha a lutar contra o imperialismo, o latifúndio e a ameaça fascista (PRESTES, p. 31, 2006). Com o lema, “Pão, Terra e Liberdade”, a ANL se tornou um grande polo de resistência popular contra as desigualdades sociais, mobilizando grande parcela de trabalhadores, intelectuais, estudantes, artistas etc. Naquele mesmo ano, Vargas decretou o fechamento da ANL. O PCB e Prestes, que detinham grande influência sobre a Frente, avaliava que, o momento político estava propício para uma insurreição popular, “com o objetivo de derrubar Vargas e estabelecer um 'Governo Popular Nacional Revolucionário' (PRESTES, p. 34, 2006)”. A intentona comunista - nome dado ao movimento liderado por Prestes – fracassou e mais tarde, muitos conseguiram enxergar que, de fato, foi um grande erro tático e de análise.
No ano seguinte, foi decretada a prisão de Prestes, a revogação da sua patente de Capitão e uma condenação de mais de 47 anos de prisão. Olga, nesse período estava gestante, também foi presa e deportada para Alemanha. Teve sua filha, Anita Leocádia, dentro de uma prisão nazista e foi assassinada em 1942, “numa câmara de gás no campo de concentração de Bernburg (PRESTES, p. 35, 2006)”.
Na década de 1940, Prestes, ainda preso, avaliando a necessidade de derrotar o fascismo no mundo – principal bandeira do movimento comunista internacional – e percebendo o afastamento do governo Varguista com as forças do Eixo, durante a Segunda Guerra, resolve em apoiar politicamente Getúlio Vargas.
Em 1943, mesmo no cárcere,foi eleito, Secretário-Geral do PCB, após o seu congresso de reestruturação. Em 1945, Vargas assina um decreto de lei que liberta os presos políticos no Brasil. Após nove anos encarcerado, Prestes conquista a liberdade. Neste mesmo ano, chegam ao Brasil, sua filha Anita Leocádia (que ele não conhecia) e sua irmã, Lygia, ambas vindas do México.
A libertação de Prestes gerou uma enorme mobilização popular, que rendeu muitos frutos para a campanha de legalização do PCB, “assim como na luta pela “União Nacional”, compreendida como um processo que deveria contribuir para a efetiva democratização do país (PRESTES, p. 45, 2006).
Grandes comícios e manifestações são realizados por todo o Brasil, com a presença de Prestes. O PCB havia conquistado sua legalidade de fato, nas ruas, com a participação do povo. Entre os principais atos públicos então realizados, foram especialmente importantes os memoráveis comícios do estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, em 23/5/1945, e do estádio do Pacaembu, em São Paulo, em 15/7/1945 (PRESTES, p. 45-46, 2006).
Em dezembro de 1945, o PCB elegeu Prestes como o único senador comunista, com uma expressiva votação no Distrito federal (mais de 160 mil votos), diga-se de passagem, além de uma bancada de deputados que contava com nomes como Carlos Marighella, Gregório Bezerra, Osvaldo Pacheco e Jorge Amado, João Amazonas, Claudino Silva (o único negro na Assembleia Constituinte de 1946).
Nos trabalhos da Assembleia Constituinte, Prestes se tornou líder da bancada comunista, defendendo uma plataforma política pautada pela defesa ao regime democrático e pelo direito ao voto universal, direitos sociais (sobretudo o direito de greve), liberdade de opinião, associação, expressão etc., igualdade de direitos entre homens e mulheres, sem distinção de nacionalidade, religião, cor e classe.
Merece destaque nas atividades parlamentares de Prestes a sua inserção na luta pela Reforma Agrária, combate ao latifúndio e a expropriação, além da defesa à função social da propriedade e de políticas que fixassem o homem no campo, por meio de pequenas propriedade, visando a criação de centros de população agrícola.
Segundo Prestes: “Sem uma redistribuição da propriedade latifundiária, ou em termos mais precisos, sem uma verdadeira reforma agrária, não é possível debelar grande parte dos males que nos afligem” (PRESTES, p. 50, 2006).
Sabe-se que os pleitos dos comunistas à Constituição de 1946 não foram contemplados em sua totalidade, mas, ainda sim, muitos dos avanços sociais, direitos democráticos e trabalhistas tiveram o DNA dos parlamentares ligados ao partido comunista.
Nesse período, fortemente influenciado pelo contexto internacional da Guerra-Fria, Prestes enquanto senador, sofreu perseguições, devido a intensa propaganda anti-comunista. Em 1947, o presidente Dutra relega o PCB a ilegalidade e no ano posterior, os mandatos comunistas são cassados, voltando assim a atuar na clandestinidade por uma longa e tumultuada década.
REFERÊNCIAS
CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi: da coluna Prestes à queda de Arraes. São Paulo: Alfa-Omega, 1978.
PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário, comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
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