Quando o Brasil entrar em campo em 12 de junho, já estará perdendo de goleada. Nesse jogo, o adversário é de difícil marcação. Sua força está em roubar infâncias, alegrias e as chances de educação de milhares de crianças. O trabalho infantil tem sido um rival, até aqui, vencedor. Inviabiliza um futuro de vitórias, causando perdas de vidas e de saúde de crianças e adolescentes.
A regra é clara na nossa Constituição: criança não trabalha, tem prioridade de tratamento, cuidado e proteção integral, da família, da sociedade e, principalmente, do Estado. O adversário, entretanto, não respeita leis. Aposta na impunidade para fazer valer suas próprias regras.
Quando não tem Copa, 12 de junho é lembrado, mundialmente, como o dia contra o trabalho infantil. É dia de lembrar a existência do adversário e a necessidade de unir forças para combatê-lo.
No próximo dia 12, as atenções estarão voltadas para a abertura da Copa. No mesmo instante, milhares de crianças estarão quebrando pedras, cortando cana, trabalhando como babás, nas feiras, nas ruas, vendendo balas. Perdendo a infância, a oportunidade de jogar futebol, de brincar de roda, de boneca. Sustentando suas famílias, ajudando seus pais, sacrificando suas vidas para tentar ganhar o jogo e driblar o futuro que se inviabiliza diante dos olhos. Quando o jogo terminar, independentemente do resultado, o Brasil sairá derrotado, porque elas continuarão trabalhando.
Os números do trabalho infantil no Brasil são de muitos estádios lotados. Cerca de 3,5 milhões de crianças e jovens entre cinco e 17 anos. Uma vergonha muito maior do que as obras inacabadas. O legado, para essas crianças, será a inexistência de legado. Quando o Estado, a sociedade e a família não cumprem seu dever, o que sobra é a falta: de futuro, de educação, do necessário tempo da infância.
Se as regras exigem um jogo limpo e o cartão vermelho é dado para quem não as respeita, todos nós temos que ser os árbitros desta partida e erguer o cartão vermelho para o trabalho infantil.
O artigo é de autoria da juíza do trabalho Andréa Saint Pastous Nocchi, gestora nacional do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi publicado originalmente no jornal Zero Hora, de Porto Alegre.
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