Na retomada às entrevistas com (agora) candidatos ao cargo de vereador em Olinda, procuramos Mãe Beth de Oxum, que vem como um dos nomes da chapa do PCdoB nessas eleições. Nas conversas, falamos sobre suas avaliações acerca da dinâmica política na cidade e seus projetos enquanto alternativa para o povo olindense.
Mãe Beth de Oxum é Iyalorixá do Ilê Axé Oxum Karê, mestra coquista e comunicadora pernambucana, com mais de 30 anos de atuação em Olinda. Há 22 anos, fundou a sambada de Coco no bairro do Guadalupe junto com seus filhos e seu companheiro, o músico Quinho Caetés. Essa sambada acontece mensalmente e é um importante movimento de valorização da cultura popular nordestina. Também é fundadora do Afoxé Filhos de Oxum, um dos primeiros a incluir mulheres na percussão.
Em sua atuação junto ao povo, Mãe Beth se destaca, sobretudo nas lutas contra a intolerância religiosa, combate ao racismo. Por meio da cultura popular, defende e busca melhorias para o povo, bem como é militante aguerrida em favor da democratização da comunicação.
É criadora do Cineclube Macaíba, que promove exibições com sentimento de pertencimento com a cultura popular. Compõe o Coletivo Mídia Livrista Nordeste Livre, o qual criou a Rádio Comunitária Amnésia, do ponto de cultura Coco de Umbigada que funciona na sua casa no Beco da Macaíba.
E frente a sua candidatura à vereadora, Mãe Beth de Oxum se coloca na disputa, pois acredita que pode contribuir mais para construção política, cidadania, resistência e igualdade social. Vejamos a entrevista.
1. Atualmente, o clima eleitoral vem pautando a maioria das discussões politicas nos municípios, fato esse que provoca a sociedade civil organizada a também fazer o debate sobre a cidade e seus rumos administrativos. Dessa feita, como sua atuação junto aos movimentos sociais pode trazer subsídios para se pensar sobre Olinda?
Inicialmente precisamos refletir sobre a cidade que nós queremos? Seria uma cidade para prédios, carros e estacionamentos ou uma cidade para pessoas? Eis o primeiro ponto que reflito para chegarmos naquilo que queremos para Olinda.
Penso que Olinda precisa ser repensada, sobretudo na sua política cultural e gestão pública. Que ela se estabeleça não apenas por ciclos (Carnaval, São João, Natal etc.), e sim, que se estabeleça pelos territórios, onde esses precisam ser identificados, fortalecidos e que suas potencialidades sejam fortalecidas. E essas ações, sobretudo no âmbito da produção cultural é de fundamental relevância para constituirmos uma nova lógica política ao povo olindense.
Visto minha experiência junto aos movimentos sociais, penso que precisamos difundir as tradições e os brinquedos da cultura popular de todo território olindense (coco de roda, maracatu de baque solto e virado, cavalo marinho etc.). como forma de fortalecimento dos territórios. Foi assim que fizemos, quando resolvemos arregaçar as mangas e fazer do Guadalupe uma referência cultural na cidade. E por que não estender isso para os demais locais? Por mais de 25 anos estamos construindo essas práticas aqui no bairro, juntando a cultura popular com o povo, construindo cidadania e buscando melhorias coletivas, mas precisamos ampliar essas ações, percebendo a cidade como um todo.
Podemos mudar Olinda pra melhor, e a cultura popular é o caminho!
2. Como o coletivo avalia a gestão municipal de Olinda, principalmente no que diz respeito às políticas e equipamentos culturais?
Avalio da pior forma possível, principalmente quando sabemos que a cidade é patrimônio cultural. Não podemos conceber que a gestão cultural aqui implantada seja apenas voltada aos seus casarios edificados. Nossas políticas precisam enxergar a totalidade da cultura do seu povo. Olinda é uma cidade preta, cheia de terreiros de matriz africana e afro indígena, temos muitos brinquedos, blocos, afoxés, cocos, maracatus etc. O que percebemos é a perseguição aos nossos tambores, que sofrem com a intolerância e pelo racismo institucional e estrutural, que se esconde, em muitos casos, nas próprias legislações, a exemplo da lei de pertubação do sossego.
Em Olinda, existem leis que calam nossos tambores, e cadê as políticas que façam nossas vozes ecoarem? Considero a atual gestão cultural como uma das piores, frente a história do município. Um prefeito alinhado as políticas bolsonaristas e atrelados as políticas mais atrasadas, sobretudo no que tange as práticas machistas, racistas, transfóbicas, dentre outras práticas perversas à sociedade.
Estamos em contexto de pandemia, mas a gestão pública, principalmente a cultural, não conseguiu apontar nem as mínimas respostas para atender as necessidades da cadeia produtiva local. Não é essa política que queremos, nem para os artistas, tampouco para os territórios.
3. Como você avalia o atual trabalho da câmara de vereadores?
Eu sei que tem uma câmara de vereadores pelo fato de que pessoas ali, naquele prédio, pelo menos recebem salários. O povo infelizmente não se reconhece nos seus parlamentares, convivemos com péssimos exemplos de vereança. Inicialmente pela hegemonia masculina no universo dos vereadores e pelo fundamentalismo que ali habita.
Infelizmente não temos artistas ou fazedores de cultura atuando na câmara de vereadores e isso implica em prejuízos na construção de leis que apontem e fortaleçam de maneira estratégica e visando o bem do povo e do desenvolvimento, a formulação de políticas culturais, sobretudo numa perspectiva territorial.
Inexiste o compromisso legislativo com a cultura, nem em sua dimensão simbólica, tampouco na econômica, e isso numa cidade que é patrimônio. Uma contradição enorme. O que falta em nossa câmara municipal é a diversidade e a representatividade de seu povo. Onde estão as mulheres, o povo de terreiro, os homossexuais e as demais minorias naquele espaço? É hora do "pau comer" e virarmos esse jogo! E com um poder legislativo que seja alinhado com seu povo e seus territórios.
4. Na condição de candidata à câmara de vereadores, quais seriam os principais eixos de atuação desse mandato?
Elencamos que nossa candidatura trabalhará com importantes eixos, onde o que mais se destaca é a defesa e o compromisso com a cultura em nossa cidade, principalmente por meio de nossas experiência comprovada com as práticas e políticas culturais. Não queremos falar de cultura em Olinda apenas no carnaval ou nas eleições. Almejamos apontar a política cultural como eixo prioritário para o povo e economia olindense.
Faremos uma política cultural que enxergue nossas costureiras, as tapioqueiras, os músicos, os artesãos, os bonequeiros, os produtores, os fazedores de estandartes etc.
No âmbito da mobilidade, teremos o compromisso em construir mais ciclovias em todos os bairros. Na saúde, entendemos a necessidade de fortalecimento do atendimento público ao povo, bem como a questão da ampliação do saneamento básico.
Em todas essas discussões, percebemos a cultura, enquanto elemento político que possibilite melhorias ao povo e à cidade. Por exemplo, a escola e as ações educacionais precisam ser repensadas como locais estratégicos para uma construção de fortalecimento das identidades territoriais em Olinda. E pra isso, precisamos de leis e uma atuação parlamentar compromissada com esses debates.
E percebendo a nossa experiência como movimento social e cultural, temos o orgulho de ter, por meio da escola do nosso bairro e sua interação, tanto com com as inovações tecnológicas, quanto com os mestres da cultura popular, que levamos para dentro das salas e para a realidade dos estudantes, contribuímos com o aumento da qualidade de vida e do desenvolvimento humano no Guadalupe. E porque não transformar esses êxitos em políticas municipais? Porque não construir emprego e renda por meio da cultura, em Olinda. Esse é o nosso compromisso.