PUBLICAÇÃO: Livro do anglo-canadense Doug Sauders mostra que estigma de violência ficou no passado e que o País aprendeu a trabalhar o que há de melhor nas comunidades
Natanael DamascenoAgência O Globo
RIO. Um novo olhar sobre as favelas do Rio e de São Paulo está, desde novembro de 2010, despertando curiosidade mundo afora. Através dele, o Brasil emerge como um país inovador, que aprende a trabalhar o que há de melhor nestas comunidades há tanto tempo estigmatizadas pela violência e pela pobreza extrema.
A opinião, difundida pelo livro Arrival city (Pantheon Books, Nova Iorque), é do jornalista anglo-canadense Doug Saunders. No trabalho, que ainda não tem data para chegar ao Brasil, ele faz uma análise de mais de 30 favelas espalhadas ao redor do mundo e as classifica como novos pontos de partida (ou as cidades de chegada do título em inglês) para quem deixa as áreas rurais em direção aos grandes centros urbanos.
Os estudiosos e políticos brasileiros têm, em alguns casos, sido mais rápidos do que outros para reconhecer a realidade dessas comunidades urbanas, ou seja, que elas são pontos de transição que desempenham um papel importante, tanto no desenvolvimento rural, quando do ponto de vista da mobilidade social. Quando elas falham e transformam os pobres em criminosos, não é porque perderam a sua função como instrumento de mobilidade, mas porque esta função natural foi bloqueada por barreiras físicas, burocráticas ou de cidadania, disse Doug, de Londres, de onde responde pela sucursal europeia do jornal canadense The Globe and Mail.
O jornalista passou um mês no Brasil, no início de 2009. Percorreu as ruelas de cerca de dez favelas do Rio e de São Paulo entre elas as então inexpugnáveis Vila Cruzeiro e Vigário Geral para entender o que leva os moradores a trocar suas cidades natais por um ambiente de miséria e opressão. O mesmo acompanhamento que fez em comunidades semelhantes no Egito, Turquia, China, Índia, Bangladesh, ou mesmo na França, Espanha e Alemanha.
Ao fim da pesquisa, ele chegou à conclusão que há uma diferença fundamental entre o Brasil e os outros países em que esteve: a capacidade de transformar positivamente esse tipo de assentamento. O que o Brasil oferece, e poucos outros países o fazem, é um conjunto de experimentos que transformam o fracasso em sucesso nestes lugares. E percebi que a razão mais importante para escrever sobre as favelas do Brasil era explicar este conceito de transformação. Por isso, decidi me concentrar na favela Dona Marta, no Rio de Janeiro, e no Jardim Ângela, em São Paulo.
Sobre a favela paulistana, que nos anos 1990 amargou a mais alta taxa de homicídios do País, o jornalista diz que algumas políticas públicas implementadas pela prefeitura e pelo governo do Estado ao longo das últimas duas décadas principalmente no que diz respeito a transportes, cidadania e segurança possibilitaram sua integração com a cidade formal. Já na favela carioca, Doug fala da avalanche de políticas públicas implementadas depois da instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em 2008, meses antes de ele vir ao País.
Nos dois casos, diz que este movimento permitiu que as cidades que acolheram os migrantes do fim do século passado seguissem seu caminho natural, possibilitou o surgimento de uma nova classe média, formada por empreendedores ávidos por ascensão social.
Ele afirma que a realidade de violência e miséria enfrentada pelos grandes centros dos países em desenvolvimento não é uma novidade ou uma peculiaridade de qualquer país. Diz ainda que, por conta disso, algumas experiências do Brasil nessa seara podem se tornar exemplos para o mundo. Neste sentido, eu descreveria as intervenções do (ex-presidente) Lula como uma intensificação de esforços anteriores, em vez de uma mudança revolucionária, diz ele. E nós realmente não podemos subestimar a importância dos líderes municipais e estaduais que reconheceram que a favela é uma oportunidade econômica a ser incentivada, e não uma ameaça a ser demolida.
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